Nova NR-1 e a saúde mental no trabalho: avanços, desafios e perspectivas.

Introdução
A Portaria MTE nº 1.419/2024, que atualiza a Norma Regulamentadora NR-1, marca uma virada histórica na abordagem da saúde mental no ambiente de trabalho. Pela primeira vez, os riscos psicossociais passam a integrar de forma oficial o Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), obrigando empresas de todos os portes a lidarem com questões como assédio moral, sobrecarga emocional e jornadas abusivas.
A nova diretriz é um passo importante no reconhecimento do impacto do ambiente organizacional sobre o equilíbrio psíquico dos trabalhadores, mas também traz consigo desafios significativos.
Neste artigo, reunimos as visões do campo jurídico e da área da saúde mental para refletir sobre os desdobramentos e exigências concretas da norma.
A perspectiva jurídica – por Pedro Carneiro, Advogado e Sócio do SPlaw
A atualização da NR-1, trazida pela Portaria MTE nº 1.419/2024, vem sendo considerada como um marco na proteção da saúde mental dos trabalhadores. E com razão. Afinal, reconhecer oficialmente os riscos psicossociais como parte integrante do Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) das empresas representa um avanço na forma como o Estado enxerga o ambiente de trabalho — não apenas como um espaço físico, mas como um ecossistema que afeta diretamente o equilíbrio emocional e psicológico de quem ali atua.
A partir de 26 de maio de 2025, as empresas estarão legalmente obrigadas a identificar, prevenir e monitorar riscos relacionados a assédio moral, sobrecarga emocional, jornadas abusivas, entre outros fatores que podem desencadear adoecimentos mentais. No papel, parece uma evolução natural. Na prática, no entanto, a implementação dessa exigência impõe uma série de desafios que não podem ser ignorados, especialmente para pequenas e médias empresas. Se para grandes corporações o tema pode ser desafiador, quanto mais para aquelas empresas que, além de gerir os riscos físicos, agora poderão ser demandadas para tratar dos mais subjetivos e relacionais.
A norma exige, por exemplo, a participação ativa da CIPA e de trabalhadores na identificação de riscos psicossociais. Mas o que se percebe na realidade é que muitos gestores ainda não compreendem plenamente o que configura, por exemplo, um ambiente organizacional tóxico. Além disso, o medo de retaliação por parte de empregados e o estigma em torno de questões de saúde mental dificultam a criação de canais de escuta eficazes. Como implementar políticas reais de prevenção ao assédio ou sobrecarga emocional em empresas onde não há sequer RH estruturado?
Outro ponto sensível é a mensuração dos riscos psicossociais. Ao contrário dos riscos físicos, que podem ser aferidos por instrumentos objetivos, os danos emocionais demandam uma leitura mais subjetiva, contínua e especializada. Isso exige capacitação, tempo e investimento — fatores nem sempre disponíveis ou priorizados. A norma traz a obrigação, mas não acompanha com diretrizes detalhadas ou instrumentos padronizados de avaliação. O risco aqui é transformar a exigência em mais uma checklist burocrática, sem impacto real na cultura organizacional.
É nesse cenário que se torna indispensável uma abordagem multidisciplinar. A atuação de profissionais da saúde mental ao lado do jurídico é essencial para transformar o PGR em um documento vivo e eficaz. Enquanto o jurídico pode orientar sobre a conformidade legal, o profissional da saúde traz o olhar clínico, humano e técnico sobre as reais causas do sofrimento mental no ambiente de trabalho. E isso é ainda mais importante quando falamos de ações preventivas — que demandam escuta qualificada e intervenções sensíveis, sob risco de gerar mais medo do que acolhimento.
Portanto, embora a atualização da NR-1 seja uma conquista importante, ela também exige uma dose de realismo. A norma é ambiciosa e, se mal implementada, pode gerar insegurança jurídica, judicialização e até injustiças. É preciso pensar na aplicabilidade concreta: como criar políticas eficientes em realidades diversas? Como garantir que o discurso da saúde mental não se torne apenas uma fachada para relatórios e auditorias? Essas são perguntas que não têm respostas simples — e que precisam ser enfrentadas com coragem, empatia e técnica.
A perspectiva da saúde – por Aslan, Neuropsicólogo
A recente atualização da Norma Regulamentadora NR-1, promovida pela Portaria MTE nº 1.419/2024, representa um grande avanço na proteção da saúde mental dos trabalhadores ao reconhecer oficialmente os riscos psicossociais no Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR). Esse reconhecimento implica em uma mudança fundamental na forma como as organizações devem lidar com o bem-estar de seus colaboradores, exigindo um olhar mais atento para fatores como assédio moral, sobrecarga emocional e jornadas abusivas.
O psicólogo tem um papel crucial nesse novo cenário, atuando tanto na prevenção quanto no manejo de transtornos mentais decorrentes do trabalho. Ele pode auxiliar empresas a desenvolver programas de saúde mental eficazes, promovendo a conscientização sobre a importância do ambiente organizacional saudável e implementando estratégias para a gestão do estresse e prevenção do burnout. Além disso, o psicólogo é essencial na capacitação de líderes e gestores para que possam identificar sinais precoces de sofrimento psíquico em suas equipes, garantindo um suporte adequado e humanizado.
A nova NR também reforça a importância de criar canais de escuta ativos dentro das empresas, possibilitando que os trabalhadores relatem problemas sem medo de represálias.
No entanto, há desafios consideráveis, especialmente em pequenas e médias empresas, onde frequentemente falta uma estrutura de recursos humanos capaz de lidar com tais demandas. Para que essa regulação tenha um impacto real, é fundamental que as empresas não encarem a nova exigência como mera burocracia, mas como uma oportunidade para transformar a cultura organizacional.
Entre os principais afastamentos relacionados à saúde mental estão os transtornos de ansiedade, depressão e a síndrome de burnout, que têm se tornado cada vez mais frequentes. Esses afastamentos comprometem a produtividade e a qualidade de vida dos trabalhadores, gerando impactos não apenas para os indivíduos afetados, mas também para as empresas e para a economia como um todo.
Os tratamentos, de forma geral, envolvem acompanhamento psicoterapêutico, uso de medicação quando necessário, e adoção de estratégias para reequilibrar a rotina profissional e pessoal. A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), por exemplo, é uma abordagem amplamente utilizada para ajudar os trabalhadores a lidarem com pensamentos disfuncionais e desenvolverem mecanismos mais eficazes para enfrentar situações de estresse e pressão no ambiente corporativo.
Diante desse novo cenário, é imprescindível que as empresas assumam a responsabilidade pela saúde mental de seus colaboradores de maneira efetiva, investindo em ações preventivas e estruturando um ambiente que favoreça o bem-estar emocional. Para isso, a integração entre os setores jurídico, de gestão de pessoas e saúde mental se faz essencial. Apenas dessa forma a NR-1 poderá cumprir seu papel de transformar a saúde ocupacional, garantindo que os trabalhadores tenham suporte adequado para lidar com os desafios da vida profissional sem comprometer sua qualidade de vida.
Conclusão
A atualização da NR-1 é, sem dúvida, um marco para a proteção da saúde mental no trabalho. Ao reconhecer os riscos psicossociais como parte integrante do PGR, a norma eleva o debate sobre bem-estar emocional a um novo patamar.
No entanto, como apontado tanto por Pedro quanto por Aslan, a sua efetividade dependerá da forma como será implementada.
Apesar dos desafios, a norma cria espaço para uma atuação verdadeiramente multidisciplinar, capaz de unir o conhecimento técnico-jurídico ao olhar sensível da saúde mental. Se bem aplicada, pode promover transformações profundas e duradouras nas relações de trabalho.
O caminho é exigente, mas o potencial de impacto é imenso — e necessário.